Daniela Buono – nascimento de Maria Clara
O delicioso parto da Dani Buono
…que deu à luz a Maria Clara em 17 de dezembro, sob Sol em Sagitário conjunto a Plutão e Lua em Peixes…

Passei dez dias trabalhando intensamente na edição de um vídeo pra um cliente que quase me enlouqueceu. Tive que virar uma noite na ilha de edição com o cliente do lado! Pode? O que era pra ser um trabalho simples, meu último frila do ano, virou um pesadelo que parecia não ter fim.
Dia 16 de dezembro, quinta-feira, eu estava na ilha finalizando o vídeo quando fui ao banheiro (ao meio-dia) e perdi o tampão. Liguei pro Marcos e me certifiquei: o tampão era mesmo aquela gelatina beginha, meio transparente, sem cheiro, que saiu uma parte no papel higiênico e outra parte no vaso sanitário (fez até barulhinho: ploft!)
Liguei pro Flávio e dei um toque de leve: “nossa aventura pode começar em breve!”. E completei: “Mas não dá pra saber em quanto tempo. Tem gente que perde o tampão duas semanas antes de entrar em trabalho de parto.”
“Meu Deus! Me ajude! Preciso terminar esse vídeo mala, urgente!”, pensei com meus botões.
Estava um calor anormal naquela tarde. Lembro-me de ficar me assoprando e abanando o tempo todo. Teve uma hora que me deitei na rede (tinha uma rede na ilha!). Quando levantei, percebi que havia feito uma força extra. Me assustei e pedi desculpas pra Clara imediatamente: “Filha, perdoa-me! Sei que estamos nos esforçando muito! Mas já está acabando! Mais um pouquinho… guenta aí neném!”
Fui ao banheiro: xixi normal, papel higiênico e tal. Me levanto e de repente, uma cachoeira: Chuáááá! Molhei toda a calcinha e tomei um puta susto. “Caraca!!! A bolsa estorou??!!!”
Chamei o Fábio (o editor). “Minha bolsa estourou!”, anunciei lá de dentro. E ele lá fora, já grudado na porta: “Fala sério, Dani!!! Que eu faço! Não tenho a menor idéia do que fazer numa hora dessas!!!”
“Nem eu!”, completei. E fiquei lá mais um pouco, sentadinha, retomando as lições aprendidas durante os últimos meses.
E veio tudo de uma vez: as dicas, as discussões e as conclusões da lista, os temas mais controversos discutidos com o Dr. Marcos Tadeu Garcia, meu plano de parto que não tinha sido feito, a mala pro hospital que também não estava pronta (não tinha lavado nenhuma roupinha da Clara!).
Fui tomada de um senso prático e de uma felicidade incríveis!
Liguei pro Marcos, que me pediu para ir à maternidade.
Ops! Não tinha caído a ficha: eu estava com 36 semanas e 3 dias. Meu bebê ainda era considerado prematuro. O que seria de mim e meu sonho de ter um parto normal e feliz?!
Oitenta a 90% de chance de ser um parto normal”, disse o Marcos, mas precisamos ver se você entra em trabalho de parto nas próximas 24 hs. Como você está perdendo muito líquido, preciso que você se hidrate.”
Liguei pro Flávio. Fui falando tão calmamente que ele ficava adiantando as palavras da minha frase. Ele me pareceu calmo e feliz. Como eu. Ele pegou um táxi e foi me encontrar na ilha de edição.
Liguei pra produtora e avisei o Ian e o Rodrigo (amigos e donos da produtora). Passei o bastão e fiquei esperando o Flávio com um toalha entre as pernas. Realmente estava perdendo muito líquido. A toalha estava bem molhada e se eu tirasse, escorria tudo no chão.
Liguei pra minha mãe. “Preciso que você vá até em casa pra lavar umas roupinhas da Clara e fazer uma malinha pra mim! Tô indo pro Santa Catarina. Me encontre lá pra pegar a chave.”
Quando cheguei ao Hospital Santa Catarina, a enfermeira me colocou na cardiotocografia e fez uma ficha. Eu estava com contrações de leve a média intensidade, com intervalos bastante irregulares. Era só uma coliquinha, na verdade, bastante suportável. Parecia cólica menstrual que vem de surpresa, quando a gente não tem um Ponstan à mão.
A enfermeira ligou pro Dr. Marcos: “Ela não poderá ficar aqui porque o bebê é prematuro e as 12 encubadoras estão ocupadas. Não há vagas.”
Isso é azar ou o quê? A segunda opção era a Pro Matre (mas eu não queria ir pra lá porque não pode ter doula). Mais um exame de toque e mais uma cardiotoco (saco!). Minhas contrações continuavam irregulares e eu continuava perdendo líquido.
Fomos pro apartamento da Pro Matre e entrei no banho. Me lembro de me ensaboar com carinho, alegria e satisfação. Eu estava muito feliz!!! Comentei com o Flá: “Parece que estou me preparando pra casar! Tô tão animada, excitada e orgulhosa!!! Tenho certeza de que vai dar tudo certo!!!”
Mamãe passou lá pra me dar um beijo e uma benção. Fiquei muito feliz em vê-la. Nos abraçamos e eu chorei. Eu estava passando por uma coisa que todas as nossas ancestrais mulheres tinham passado para que nós estivéssemos ali naquela noite… ela sabia exatamente como era, porque havia passado por tudo aquilo para me trazer ao mundo… e eu estava finalmente fechando um ciclo da minha vida, que começou dentro dela, quando me tornei filha dela…
Ela se foi pra arrumar a mala de maternidade e lavar as roupinhas da Clara. Agora escrevendo, me dou conta de como ela deve ter se emocionado ao entrar aqui em casa pra arrumar nossas coisas momentos antes do parto… acho que ela ficou lavando as roupinhas e meditando, pedindo luz e bênçãos para meu parto…
Falei com a Cris (Balzano), minha doula querida. Ela me situou dizendo que esse era um momento de bastante excitação mesmo, onde havia muita adrenalina sendo liberada. Ela me aconselhou a tentar desligar ao máximo e dormir, porque a adrenalina podia atrapalhar a ação da ocitocina, o hormônio que eu precisava produzir para começar o trabalho de parto. Marcos também me disse pra tentar descansar enquanto podia porque o trabalho de parto podia começar a qualquer momento.
A enfermeira veio pegar minha veia. Amarelei. Quase apaguei. Minha pressão baixou de medo e dor. Odeio injeção! Às 00 hs de sexta-feira, depois de 6 hs de bolsa rota, comecei a tomar antibiótico e soro para re-hidratar. Estava com um pra dois centímetros de dilatação.
A cólica das contrações era bem forte, mas suportável. Eu agarrava qualquer coisa à frente, respirava mais rapidinho e passava. Dormi um pouco, mas não descansei de verdade. Era impossível com aquelas contrações e as enfermeiras monitorando o coração do bebê, minha pressão e temperatura.
Pela manhã, nada de novo. Nada de TP ainda.
Marcos me ligou e combinamos de iniciar a “condução” do parto lá pelo meio-dia. Eu concordei com ele, que se a coisa evoluísse muito devagar, eu poderia entrar no TP só na madrugada seguinte, quando já estaria bem cansada e desidratada pra enfrentar com disposição o TP. Poderia ser muito desgastante. E ele disse que 24 horas de bolsa rota era o nosso limite.
Segundo o Marcos, conduzir é diferente de induzir o parto. Na condução, ele entra com uma quantidade ínfima de ocitocina, só pra dar mais ritmo às contrações, que já estavam acontecendo e assim que elas regularizassem, ele retiraria. Eu não gostei muito de ter que botar mais uma droga pra dentro (já tinha chiado com o antibiótico, que evitei ao máximo na gravidez), mas eu já estava com 18 horas de bolsa rota, perdendo uma quantidade razoável de água e nada do TP engrenar naturalmente.
Nessa hora eu quase encanei: “Não estava na hora! Eu provoquei o parto da minha filha, mas ela ainda não está pronta pra chegar… ai meu Deus, porque fiz isso?! E se ela tiver algum problema por minha causa?!”
Mas já era tarde e não ia adiantar nada encanar. O melhor era fazer o melhor possível dentro das circunstâncias postas. Essa é uma das lições da maternidade: não dá tempo de ficar remoendo e matutando. O negócio é tocar em frente porque a nenê precisa do meu melhor e eu quero o melhor pra ela… enfim…
Marcos e Cris chegaram juntos. Conversamos sobre como seria dali pra frente e nos resguardamos ali no apartamento (o Marcos dispensou todas as enfermeiras do hospital).

Eles me pediram pra levantar da cama, andar e me exercitar. Eu tinha esquecido que dói mais ter contração deitada. Senti uma diferença enorme… E então, lá pelo meio-dia veio ocitocina veia abaixo…
Imaginei que fosse dar um salto enorme na intensidade da dor e eu fosse sofrer muito com a introdução da ocitocina. Mas não. Quando começou a bater, senti um imenso prazer por perceber que o TP tinha começado e minha hora estava chegando… a dor das contrações era a mesma que eu vinha sentindo, mas estava mais freqüente e, por isso, dava a impressão de estar mais forte. Acho que fiquei uns 40 minutos com a ocitocina e tiramos.
A música tocando baixinho, as mãos suaves e o doce cantarolar da Cris: “Abre-te Dani. Abre-te Dani, como as pétalas de uma flor…” foram as maiores dádivas durante o que chamei de “primeiro tempo” do TP, ou seja, até 4 pra 5 centímetros de dilatação…
Eu ficava andando pra lá a pra cá e quando a contração começava, me debruçava sobre a cama e agarrava um monte de travesseiros… Eu sentia dor, mas também sentia prazer e muita emoção. Sentia que a cada contração, uma força maior me atravessava. E essa força ia pouco a pouco me conectando a todas as minhas ancestrais mulheres, como se elas tivessem me contando um segredo…
Eu sempre imaginei que existisse muita magia no ato de parir… e tinha mesmo! Ah, meu Deus, que milagre!!! A vida está plena e pulsando intensamente dentro de mim! Me senti tão realizada!!!
Procurava toda hora os olhos do Flá, como se precisasse passar um pouco daquela energia pra ele… numa das vezes a câmera estava ligada e gravamos minha declaração de amor ao TP: “Estou absurdamente emocionada e feliz!”
E aí a coisa apertou. A dor aumentou muito e eu já não achava mais posição. Não conseguia mais parar quieta: de pé, debruçada, agachada, de joelhos no chão e corpo sobre a cama… os gemidos aumentaram… eu estava começando a temer aquela dor. Parecia mais forte que eu.
Minha mãe chegou e me olhou com amor. Ela parecia assustada, mas tentava não demonstrar. Comecei a chamar “Manhêêêê!” Acho que ajudou. E acabei me distraindo com aqueles pensamentos sobre ela e o meu próprio nascimento…
Marcos perguntou se devia deixar o anestesista a postos. Se fosse mais tarde, poderia ser tarde. Eu não queria, mas titubeei. Era muita dor!!! Perguntei a opinião de todos: “Vc está indo tão bem…”, disse o Marcos. “Acho que vc devia seguir sozinha…”, disse a Cris. O Flávio ficou apreensivo. Alguém me lembrou que aquele era o pior momento, era a transição, que depois seria mais rápido e menos doloroso. Resolvi agüentar firme e não tomar analgesia. Fui para o chuveiro.
Algo sobrenatural aconteceu naquele chuveiro. Eu sentia que tinha virado bicho… não havia mais razão, eu não era mais um ser racional. Era puro instinto! Eu estava concentradíssima em me abrir, me abrir, me deixar abrir pro neném passar… e repetia inúmeras vezes pra mim mesma baixinho que eu estava me abrindo, me abrindo… e via o meu colo, a minha vagina e minha vulva se abrindo, se abrindo…
Em alguns momentos, recobrei a consciência e pesquei algumas frases que também me ajudaram muito. O Flá me disse que muito daquela dor existia apenas na minha cabeça, por isso era preciso soltar e me deixar levar. A Cris disse que eu estava indo muito bem, que era assim mesmo. Marcos me disse pra tentar controlar o processo sozinha. Minha mãe não disse nada, mas estava lá olhando pra mim, olhando por mim.
De repente eu disse: “Cris, tô com vontade de fazer força!”. Acho que o pessoal assustou porque começou um corre-corre. Em uma hora, a dilatação evoluiu de cinco para oito centímetros.
Marcos me olhou nos olhos e pediu pra me preparar pra uma passagem difícil. As enfermeiras do hospital viriam me trocar e levar para a Suíte de Parto. Eu precisava fazer cara de paisagem pra atravessar o corredor, sem dar bandeira que ele havia me segurado no apartamento até o último instante pra que eu pudesse ficar em companhia da doula o máximo de tempo possível.
Acho que deu certo. Fui pra Suíte conversando com as enfermeiras, mas por dentro eu tava explodindo com duas fortes contrações. Na entrada da suíte olhei no relógio da parede: eram 16:55 hs. Pensei: “Daqui uma hora tô com a Clarinha aqui…”.
A Cris não pôde mais me acompanhar… nem minha mãe. Só estávamos Flávio e eu, além do Marcos e as enfermeiras.
Marcos me pediu pra segurar um pouco a força e me concentrar em coisas positivas pra não me influenciar com o clima de agitação da equipe médica: a enfermeira-chefe do plantão era inimiga do Marcos e ele estava super de bode pelo azar de tê-la por perto. Além disso, a bruxona queria me levar pro Centro Cirúrgico porque eu estava com 36 semanas e 4 dias e o Marcos deu um chega pra lá nela dizendo que estava tudo sob controle e o parto seria normal e na suíte.
Testamos umas posições da super-híper-cama-cadeira-cheia-de-truques e eu me ajeitei sentada, quase de cócoras, com os pés apoiados numas pezeiras. Tava louca pra soltar minha força!!!
Olhei muitas vezes no relógio. Estava impaciente. A dor estava muito intensa e parecia que não havia mais intervalos entre as contrações. Lembro de dar umas piscadas, como se cochilasse rapidamente.
Finalmente, depois de 50 minutos, dilatação total!!!
Ouvi as instruções do Marcos sobre respirar, segurar, fazer força, fazer mais força e mais um pouco antes de soltar o ar. E ficava repetindo baixinho as frases dele, como um mantra… o tipo de respiração também mudou, mas nem lembro mais… eu também contava 1, 2, 3, 4, 5… louca pra chegar no 40… e 6, 7, 8, 9…
“Nasceu, Dâ!!! Nasceu a Maria Clara, meu amor!!!”, disse o Flá, super emocionado.
Na verdade, na hora em que ela saiu o Flávio começou a gemer de êxtase! “Ahhê, ahhê, ahê!!!”. Na hora ninguém reparou, só a Karla, assitente do Marcos. “Ele entrou em alfa”, ela disse. O Marcos disse que sabia que o parto era uma experiência orgásmica pra algumas mulheres, mas que nunca tinha visto um orgasmo masculino no parto.
A Clarinha tinha uma circular de cordão, então ficou meio roxinha, mas estava bem acordadinha, de olhões arregalados e chorinho esperto. Apgar 9/10, 2.750 kg e 47cm.
Ela veio direto pros meus braços, quentinha, melecada e esbranquiçada, murmurando uns unhézinhos de neném. Eu fiquei pasma! Só me lembro do rostinho dela pertinho do meu. Ficou tão quietinha só prestando atenção. E eu e o Flá também… os três num silêncio de êxtase e descobrimento.
Foi absolutamente incrível!
E daí começa a parte chata. Nem deu tempo de pensar em mamar e a enfermeira-chefe-mala puxou a nenê do meu colo pra pesar, medir e enrolar naquele charuto. O Marcos e a Karla começaram a dar pontos no períneo que lacerou. Senti muita dor, uma dor chata que me incomodou muito mais que a dor das contrações ou do expulsivo.
Eu perdi contato com o que estavam fazendo com a Maria Clara porque estava sentindo aquelas dores insuportáveis dos pontos. O Flávio nem se ligou e não falou nada sobre a vitamina K, colírio e aspiração nasal. E a neném levou todas…
Depois, ela veio só mais um pouquinho pro meu colo, mas não mamou. Me disseram que ela não tomaria o banho com o papai porque era “prematura” e precisava ir para a pediatria o mais rápido possível.
“Ai gente, vocês estão estragando tudo! Estão acabando com o meu momento!”, reclamei. Mas não adiantou nada. A magia se foi, perdi o controle sobre o que estava acontecendo… e fiquei ali, de mãos atadas (e pernas abertas).
Quando os pontos finalmente acabaram, a Karla me perguntou: “por quê parto normal?”. “Primeiro porque é o normal! Depois, porque eu queria sentir esse momento com toda a sua intensidade e me sentir uma mulher de verdade”, respondi.
Maria Clara foi lá fora no colo do pai. Eu estava com uma fome e sede de leão. Comi o lanchinho do hospital como se fosse uma picanha suculenta. Depois de 1 hora me levaram pro quarto. Abracei minha mãe com força e agradeci por ter nos dado a vida.
Que vida boa! Como eu estava feliz! Aliás, nunca fui tão feliz!!!
Maria Clara chegou no quarto depois de um tempo. Estava tudo bem. Ela mamou e ficamos namorando durante horas. Todos se foram e ficamos os três: mamãe, papai e neném.
Que delícia! Que amor! Como ela é linda!!!
Orei aos espíritos de luz que nos acompanharam durante aquele longo e maravilhoso dia: “Obrigada Meu Deus e Minha Grande Mãe Natureza pela força, pela alegria e pela graça deste maravilhoso parto!”
Mas esse é um novo capítulo… a amamentação.
Daniela Buono, 31 anos,
jornalista – São Paulo/SP danibuono@uol.com.br

Daniela Buono – Maria Clara